OS INFORTÚNIOS OCULTOS
Nas grandes calamidades, a caridade se agita, e vêem-se generosos impulsos para reparar os desastres. Mas, ao lado desses desastres gerais, há milhares de desastres particulares, que passam desapercebidos, de pessoas que jazem num miserável catre, sem se queixarem. São esses os infortúnios discretos e ocultos, que a verdadeira generosidade sabe descobrir, sem esperar que venham pedir assistência.
Quem
é aquela senhora de ar distinto, de trajes simples mas bem cuidados,
seguida de uma jovem que também se veste modestamente? Entra numa casa
de aspecto miserável, onde sem dúvida é conhecida, pois à porta é
saudada com respeito. Para onde vai? Sobe até a água furtada: lá vive
uma mãe de família, rodeada pelos filhos pequenos. À sua chegada, a
alegria brilha naqueles rostos emagrecidos. É que ela vem acalmar todas
as suas dores. Traz o necessário, acompanhado de suaves e consoladoras
palavras, que fazem aceitar a ajuda sem constrangimentos, pois esses
infortunados não são profissionais de mendicância. O pai se encontra no
hospital, e durante esse tempo à mãe não pode suprir as necessidades.
Graças
a ela, essas pobres crianças não sofrerão nem frio nem fome; irão à
escola suficientemente agasalhados e no seio da mãe não faltará o leite
para os menorzinhos. Se uma entre elas adoece, não lhe repugnará
prestar-lhe os cuidados materiais. Dali seguirá para o hospital, levar
ao pai algum consolo e tranqüilizá-lo quanto à sorte da família. Na
esquina, uma carruagem a espera, verdadeiro depósito de tudo o que vai
levar aos protegidos, que visita sucessivamente. Não lhes pergunta pela
crença nem pelas opiniões, porque, para ela, todos os homens são irmãos e
filhos de Deus. Finda a visita, ela diz a si mesma: Comecei bem o meu
dia. Qual é o seu nome? Onde mora? Ninguém o sabe. Para os infelizes,
tem um nome que não revela a ninguém, mas é o anjo da consolação. E, à
noite, um concerto de bênçãos se eleva por ela ao Criador: católicos,
judeus, protestantes, todos a bendizem.
Por
que se veste tão simplesmente? Para não ferir a miséria com o seu luxo.
Por que se faz acompanhar da filha adolescente? Para lhe ensinar como
se deve praticar a beneficência. A filha também quer fazer a caridade,
mas a mãe lhe diz: “Que podes dar, minha filha, se nada tens de teu? Se
te entrego alguma coisa para dares aos outros, que mérito terás? Serei
eu, na verdade, quem farei a caridade, e tu quem terás o mérito? Isso
não é justo. Quando formos visitar os doentes, ajudar-me as a cuidar
deles, pois dar-lhes cuidados é dar alguma coisa. Isso não te parece
suficiente? Nada mais simples: aprende a fazer costuras úteis, e assim
confeccionarás roupinhas para essas crianças, podendo dar-lhes alguma
coisa de ti mesma”. É assim que esta mãe verdadeiramente cristã vai
formando sua filha das virtudes ensinadas pelo Cristo. É espírita? Que
importa?
Para o meio em que vive, é a mulher do mundo, pois sua posição o
exige; mas ignoram o que ela faz, mesmo porque não lhe interessa outra
aprovação que a de Deus e da sua própria consciência. Um dia, porém, uma
circunstância imprevista leva à sua casa uma de suas protegidas, para
lhe oferecer trabalhos manuais. “Psiu! — diz-lhe ela. Não contes a
ninguém!” Assim falava Jesus.
Extraído de O Evangelho segundo o Espiritismo, XIII,4
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